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'Motosserra' de Milei ameaça o acesso ao aborto na Argentina
A "motosserra" do presidente argentino Javier Milei levantou novos obstáculos ao acesso à saúde reprodutiva e ao aborto, cuja legalização em 2020 representou um marco histórico para os movimentos feministas e que a falta de orçamento ameaça transformar em letra morta.
ONGs relatam falta de medicamentos abortivos e anticoncepcionais gratuitos. Também denunciam o desmonte de programas bem-sucedidos para prevenir a gravidez na adolescência.
"Estamos desamparadas, não temos as ferramentas estatais que tínhamos antes. Este governo está atingindo as mulheres com mais força", disse à AFP Patricia Luppi, uma das centenas de mulheres que compareceram a uma assembleia feminista preparatória para a passeata de 8 de março em Buenos Aires.
No encontro, foram convocadas a "resistir" ao colapso de programas como o de proteção às vítimas de violência de gênero, a "impedir" a eliminação da agravante penal do feminicídio, na agenda do governo, e a defender políticas de diversidade sexual.
"Não há uma questão econômica, há uma questão ideológica. Eles são contra todas as conquistas do feminismo", disse Marta Alanis, pioneira da campanha pelo aborto legal e gratuito.
"O feminismo já venceu a batalha cultural contra a direita. Eles reagem contra essas conquistas porque avançamos muito", disse.
Milei definiu a interrupção voluntária da gravidez como "assassinato" e aqueles que a defendem como "promotores da agenda sanguinária e assassina do aborto".
- Motosserra -
O governo de Milei fez cortes em todas as áreas do Estado, com dezenas de milhares de demissões que enfraqueceram as estruturas de assistência médica.
O objetivo é alcançar o equilíbrio fiscal, que o governo ostenta como sua maior conquista, além de conter a inflação, que foi de 2,2% ao mês em janeiro.
Sem um orçamento para 2025, em 2024 prorrogou o do ano anterior, apesar da inflação ser de 211% em 2023 e 118% no ano seguinte.
Nesse contexto, um relatório da ONG 'Proyecto Mirar', que monitora o cumprimento da lei do aborto, informou que no ano passado o governo nacional não distribuiu nenhum tratamento.
As províncias assumiram o comando, mas com "fraca capacidade de resposta" em termos de suprimentos, treinamento e assistência técnica.
A distribuição de preservativos foi interrompida e o programa de prevenção à gravidez na adolescência, que entre 2017 e 2023 resultou em uma queda de 57% na taxa de gravidez entre meninas de até 14 anos, foi cancelado.
Natalia Gerhardi, codiretora da 'Red de Acceso Seguro al Aborto de Argentina'(Redaas), alerta que as mulheres correm o risco de não poder mais recorrer aos hospitais públicos para solicitar o procedimento.
O acesso ao aborto gratuito "está em perigo em 2025", concluiu.
- "Há muito em jogo" –
Em Chivilcoy, cidade de 90.000 habitantes na província de Buenos Aires, medicamentos abortivos são distribuídos a conta-gotas.
A organização feminista 'La Hoguera' recebe até 15 solicitações por semana de misoprostol. Mas muitas mulheres saem de mãos vazias, disse à AFP Cecilia Robledo, membro da organização desde 2014.
"Nesses quase 11 anos, vimos muitas barreiras e deficiências, mas nunca um corte tão terrível", disse.
Nas cidades vizinhas, muitos médicos disponíveis exercem a objeção de consciência, algo permitido por lei, mas que representa outro obstáculo.
Enquanto até 2023, as consultas para solicitar um aborto eram baseadas principalmente no desejo ou em projetos de vida, "agora, em sua maioria são de mulheres sem rede de apoio ou com trabalhos precários que o solicitam porque não podem arcá-lo, nem do ponto de vista financeiro ou social", explicou Robledo.
"É terrível o que este governo está fazendo com todos os avanços em direitos humanos, há muito em jogo", concluiu.
A pobreza aumentou 11 pontos nos primeiros seis meses do governo de Milei, para 52,9%. Desde então, vem declinando, segundo estudos privados.
A crise econômica "sempre afeta desproporcionalmente as mulheres", disse a economista Mercedes D'Alessandro.
"Elas são as que mais sofrem quando há cortes no orçamento. Quando têm empregos, ganham menos e são sobrecarregadas de forma desigual com tarefas de cuidado", disse.
S.Keller--BTB